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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Médicos do Rio trabalham com salário atrasado e sintomas de coronavírus


Não basta lidar com os plantões exaustivos e o risco de contaminação. Os profissionais de saúde do Rio de Janeiro também estão tendo que se preocupar com uma série de problemas que incluem até salários atrasados durante a pandemia do novo coronavírus.
Brigas por equipamentos de proteção que muitas vezes não são adequados, folhas de pagamento erradas, redução do horário de descanso e escassez de funcionários em salas lotadas de pacientes são apenas alguns itens da lista.
Completam esse quadro os médicos e enfermeiros que estão indo trabalhar mesmo com sintomas por medo de perder remunerações e que improvisam soluções diante da falta de recursos públicos, além dos que estão afastados da família há mais de um mês.
O médico Pedro (nome fictício) se deu conta disso na semana passada, quando vivenciou um tiroteio enquanto decidia o que fazer com pacientes sem oxigênio na clínica da família de Manguinhos. “Eu pensei: parece a Itália. Mas a realidade me lembrou que aqui não é a Itália.Tem outras coisas além da Covid que tornam o nosso drama muito maior”, diz.
O atraso de salários é a realidade de pelo menos três UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) estaduais na capital fluminense, em Copacabana, Botafogo e Taquara. O pagamento pelos últimos 50 dias trabalhados deveria ter caído no dia 20, mas até agora nada.
Diante da incerteza, médicos “anunciam” seus plantões em um grupo de Whatsapp: “UPA Copacabana, amanhã 29/4, 12h, sala vermelha. Alguém tem interesse?”, um pergunta por mensagem. Como são contratados como PJs (pessoas jurídicas), eles só ganham quando trabalham.
Também têm sido comuns os relatos de profissionais que continuam cumprindo seus expedientes mesmo com sintomas da Covid-19, para não perder a remuneração ou ter descontos por faltas, no caso dos concursados.
“Ontem uma médica veio trabalhar com sintomas, dispneia (falta de ar), tosse […] para não perder o abono de 80% que temos sobre o salário. […] Ficou sem máscara pelo menos duas horas sassaricando pela unidade […]. Estresse no nível máximo”, escreve um médico da Baixada Fluminense.
Enquanto alguns não recebem salário, outros o recebem com erro, como as clínicas da família na zona sul e em áreas da zona norte (Maré, Alemão, Penha e Madureira). Em uma unidade da Rocinha, o pagamento veio entre 25% e 30% menor, e alguns enfermeiros e técnicos já faltaram por atrasos no vale-alimentação e no vale-transporte.
Ali, médicos tiveram até que ensinar faxineiras sem treinamento a limpar. “Entre atender pacientes, montar tendas, imprimir papéis (em folha já usada porque não tem folha em branco) e tentar se organizar com colegas adoecendo, precisamos parar e capacitar as meninas da limpeza”, diz um deles, acrescentando que mais da metade delas já ficou doente.
Já a falta de equipamentos de proteção (EPIs), criticada desde o início da pandemia, tem provocado até brigas entre diferentes setores dos hospitais. “Existe muito conflito entre os colegas, dizendo que não vão entrar na sala [para atender pacientes com Covid]”, afirma Luciene da Silva, 47, técnica de enfermagem do Hospital Federal de Bonsucesso.
“O funcionário do raio-x fala que quer máscara, mas a enfermagem não tem para todos. A empresa que contrata os maqueiros também não está fornecendo. O maqueiro se nega a transportar o paciente porque não tem equipamento”, exemplifica ela.
E mesmo quando o trabalhador consegue o EPI, sua qualidade é duvidosa. Diversas unidades reclamam sobre a espessura dos aventais, que deveriam ser impermeáveis, mas não são. Uma técnica de enfermagem do Hospital Federal Cardoso Fontes jogou álcool no tecido e tirou uma foto mostrando que o líquido o atravessa.
Essas falhas contribuem para o alto número de infectados. Já foram mais 2.200 profissionais da saúde afastados por suspeita ou confirmação da doença nas redes estadual e municipal do RJ. Morreram 15 enfermeiros e técnicos e 11 médicos no estado até terça (28), segundo os conselhos de enfermagem e medicina Cofen e Cremerj.
Funcionários também estão insatisfeitos porque, ao apresentar sintomas da doença, não têm conseguido atendimento nos hospitais onde trabalham. Eles precisam entrar na fila comum, como qualquer cidadão, para obter um leito.
“Entendo que vão perguntar: ‘Por que você deveria ter privilégio?’. Porque eu cuidava de você, só que agora eu que estou doente”, defende o técnico André Luiz da Silva, 46, de Bonsucesso.
Com a falta de profissionais agravada pelos afastamentos e a demanda crescente de pacientes, os servidores que ainda restaram ficam extremamente sobrecarregados. O hospital Cardoso Fontes, por exemplo, decidiu reduzir em 30 minutos os horários de descanso.
“Mas ontem [segunda] ninguém conseguiu descansar. Não tem recursos humanos e não para de chegar paciente”, afirma a técnica Chris Gerardo. Após ter sido infectada e ficar 14 dias afastada, ela voltou a trabalhar num espaço que antes abrigava 6 leitos mas agora abriga 23 –o chamado “covidário”, com pacientes graves.
Tudo isso vem junto com a distância da família. Apesar de morar com a mãe, a técnica Luciene, de Bonsucesso, dividiu os cômodos em que cada uma pode entrar. Isso porque sua mãe tem 77 anos e uma doença pulmonar crônica. Além disso, a funcionária passou a usar máscara dentro de casa e a fazer uma limpeza profunda após usar o único banheiro da residência.
Já o médico de família García Vergara, 52, pôde tomar uma decisão mais drástica. “Há 43 dias, levei minha esposa e meus dois filhos pequenos para ficarem no sítio dela em Friburgo. Desde então não os vejo mais. Se eles ficassem doentes por mim eu entraria em colapso”, diz.
SECRETARIA DE SAÚDE DIZ QUE SALÁRIOS SERÃO PAGOS
A Secretaria de Estado de Saúde do RJ, da gestão Wilson Witzel (PSC), afirmou que os salários atrasados das UPAs de Copacabana, Botafogo e Taquara devem ser pagos na segunda (4), uma vez que o repasse à organização social que administra as unidades já foi autorizado.
A pasta também negou que as remunerações dos profissionais de saúde sejam suspensas quando eles são afastados por confirmação ou suspeita de Covid-19.
Sobre o erro nos pagamentos de funcionários das clínicas da família, a Secretaria Municipal de Saúde, da gestão Marcelo Crivella (Republicanos) informou que queixas são avaliadas individualmente e diferenças são acertadas no mês seguinte. Os vales transporte e alimentação atrasados, segundo o órgão, já foram quitados.
A pasta respondeu que “não é verdade” que os aventais usados são permeáveis, com espessura abaixo do recomendado. “Todos os EPIs disponíveis nas unidades, incluindo os capotes, estão dentro das especificações da norma técnica da Anvisa nº 04/2020 e de protocolos da secretaria.”
A respeito da falta de treinamento de faxineiras na clínica da saúde da Rocinha, o órgão disse que a responsabilidade pela capacitação e pelo fornecimento de EPIs é da empresa terceirizada, mas os trabalhadores também recebem orientações das gerências das unidades.
Na rede federal, a direção dos hospitais de Bonsucesso e Cardoso Fontes afirmaram que adotam todos os protocolos da OMS e do Ministério da Saúde, que as equipes estão sendo treinadas quanto ao uso de EPIs e que os aventais usados são impermeáveis e certificados pela Anvisa.

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