Texto do Senador Marcio Bittar
Em tempos turvos, sempre é bom recorrer aos clássicos para buscar sabedoria e lucidez. No Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, de Mario Ferreira dos Santos, há um verbete que resume como concebo o liberalismo político, que tanto nos faz falta: “politicamente, o liberalismo é a doutrina pela qual convém aumentar, tanto quanto possível, a interdependência do poder legislativo e do poder judiciário, em face do poder executivo, ao mesmo tempo que deve dar maiores garantias e máxima liberdade ao cidadão, salvando-o quanto possível, do poder arbitrário do Estado.”
O projeto de lei, pautado para votação na próxima semana, que institui a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet, pretende estabelecer normas para coibir e controlar o uso das redes sociais e serviços de mensagens privadas por meio da internet.
Per se, apesar da boa intenção de combater fake news, o projeto resvala para o terreno pantanoso da censura. Entendo que o projeto de lei, em análise, é eivado de inconstitucionalidade, inconveniência e inoportunidade.
Posso dizer que as consequências não previstas da lei redundarão em menos liberdade para o cidadão brasileiro. Seria retrocesso inominável.
O usuário de redes sociais corre o risco de ser esmagado pelo poder arbitrário do Estado, pois não há clareza sobre os conceitos fundamentais contidos no próprio projeto de lei. Não se pode aprovar leis dúbias e confusas. Ao meu ver, o projeto não está maduro para votação.
A definição de desinformação contida na lei proposta é abstrata, aberta e imprecisa. Tal erro de origem gera monumental e flagrante insegurança jurídica.
Não há informação blindada de interpretações, nem mesmo as que se referem a dados, portanto, caso o projeto vire lei, há possibilidade de que opiniões meramente divergentes, que não se coadunam com o mainstream, sejam rotuladas como inverídicas, falsas ou manipulativas. Serão censuradas? Não podemos tolerar o cerceamento da livre opinião e expressão, pilar da democracia moderna.
O projeto, também, determina que plataformas qualifiquem notícias, isto é, coloquem mensagens que indiquem que determinado conteúdo é falso. Ora, com essa atitude, a pretensa lei estará fazendo exatamente o que alega querer combater, pois alguém pode ser oficialmente tachado de mentiroso sem o ser. Reputações poderão ser destruídas de maneira oficial, por meio da decisão das plataformas baseadas em determinação legal. No terreno das redes sociais não haveria, portanto, a vigência do direito fundamental à liberdade individual de opinião.
O texto do PL assevera que provedores prestadores de serviços de mensagem privada devem utilizar todos os meios para limitar a difusão e assinalar aos seus usuários a presença de conteúdo classificado como desinformativo, sem prejuízo da garantia à privacidade e do segredo de comunicações pessoais, incluindo a garantia do segredo do conteúdo em relação aos próprios provedores.
Tal sentença carece de sentido e praticidade, pois como empresas irão marcar e analisar conteúdos sem antes ter acesso a eles? O perigo da confusão textual é gerar a quebra de sigilo das comunicações em nome de um suposto bem, que seria o do combate a notícias falsas.
Outra consequência da materialização do projeto em forma de lei seria a concessão de imenso e espúrio poder às plataformas em decidirem o que circula ou não circula na internet e nas redes sociais. Pior, dado o volume de informações transmitido nas redes, o monitoramento deverá ser feito por inteligência artificial. Sabe-se que a tecnologia ainda não é capaz de diferenciar, em toda a profundidade necessária, as sutilezas, ironias, humor dentre outras habilidades exclusivamente humanas.
Em minha concepção de liberdade e democracia, não é aceitável o controle preventivo da disseminação de informações. Haveria aqui o enorme risco de se estabelecer censuras prévias e ataques à constitucional liberdade de expressão. O que se pode fazer é seguir a lei atual. Punições, mediante processo legal, devem ser aplicadas contra aqueles que cometerem crimes contra a honra. Não há necessidade de punições e rotulações prévias.
Enfim, considero que o Projeto de Lei nº 2630, de 2020, apesar de sua boa intenção, fere a liberdade de expressão, o sigilo das comunicações e a liberdade de opinião. É inconstitucional, inoportuno e inconveniente. Ademais, é antiliberal, pois reduz a liberdade do cidadão.